segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Rua da utopia

São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

FOLHA DE S. PAULO

COTIDIANO

GILBERTO DIMENSTEIN

Rua da utopia

Na paisagem dominada pelos

mendigos, prostitutas e deserdados,
juntaram-se as mais variadas tribos
urbanas

GILBERTO GIL participou em São Paulo, na quarta-feira

passada, de um almoço para criar um espaço de
experimentações em um estacionamento na região mais
deteriorada da rua Augusta -ali se apresentariam gratuitamente
músicos, poetas, artistas plásticos, designers de moda e atores
dispostos a fazer inovações, tirando proveito das mídias digitais.
O encontro teve um sabor de futuro combinado ao de nostalgia.
A experiência está sendo tocada por Cláudio Prado, guia dos
então exilados Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros
baianos, pelo mundo underground londrino. No final dos anos
1960, Cláudio saiu do Brasil para estudar pedagogia na Suíça,
mas preferiu ser hippie em Londres e aprendeu os caminhos dos
melhores endereços das trilhas do rock. O aprendizado fez dele,
no Brasil, produtor de shows e de bandas como os Mutantes, a
Cor do Som e os Novos Baianos.
Seduzido pela internet, atuou como um conselheiro em mídias
digitais do ministro Gilberto Gil, que agora é chamado ao projeto
na rua Augusta, até pouco tempo atrás dominada, na noite, por
travestis, prostitutas e os mais variados tipos de marginais. Num
casarão antigo, vizinho ao estacionamento, pretende-se montar
um laboratório voltado ao desenvolvimento de projetos de
internet. "Queremos liberar as energias utópicas da pauliceia
desvairada", propõe Cláudio, descendente de uma das mais
tradicionais famílias paulistanas.
Não dá para saber ainda o que vai sair dessa busca das energias
utópicas. Mas posso dizer que esse tipo de movimentação
mostra que, ao comemorar hoje 455 anos, São Paulo tem
naquele trecho da Augusta, uma rua 24 horas, sua melhor síntese.

As antenas de Cláudio localizaram ali a melhor amostra da
diversidade paulistana, o que vem ocorrendo nos últimos cinco
anos -aliás, não conheço nenhum lugar do mundo com tantas
tribos diferentes em tão pouco espaço.
Na paisagem dominada pelos mendigos, prostitutas e
deserdados, juntaram-se jovens da classe média e alta atraídos
pela baladas; apreciadores de novos grupos da música brasileira
(Studio SP); as mais diferentes modalidades de gays e lésbicas,
com bares para diferentes idades e faixas de renda; a rua reserva
espaços para os emos e diversos tipos de punks (há uma tribo de
punks que prega a paz e a alimentação vegetariana). Os cinéfilos
já estavam lá há mais tempo por causa do Espaço Unibanco,
depois apareceram bares que atraíram intelectuais e jornalistas.
Logo no começo da rua está um símbolo do paladar da família
paulistana (a Famiglia Mancini), com sua fila de netos
acompanhados de avós.
A poucos metros dali, concentraram-se grupos de teatro
alternativo em torno da praça Roosevelt; o prefeito Gilberto
Kassab me assegurou, na semana passada, que no próximo mês
começa a concorrência para a reforma da praça, que teria uma
vocação para as artes cênicas; José Serra se comprometeu a
inaugurar uma escola voltada à formação de mão-de-obra
qualificada para montar peças.
Para completar a biodiversidade, estima-se que a nova praça
será inaugurada com a sala do Cultura Artística -espaço que foi
destruído por um incêndio. Uma das cenas exóticas da paisagem
paulista era a mistura dos públicos na saída do Cultura Artística,
com homens e mulheres de roupas sóbrias entre os
frequentadores de um inferninho chamado Quilt -o que, em
inglês, significa colcha de retalho.

A utopia urbana não está só na diversidade, mas no fato de que
o melhor futuro de São Paulo é a economia criativa, que vai da
moda, passando pelas artes, até programas de computador.
Na mesma semana em que Gilberto Gil discutia como fazer de
um estacionamento um centro de inovações, víamos os desfiles
da São Paulo Fashion Week, juntando as mais diferentes
inteligências estéticas -essa inteligência produz não apenas
modelos de roupas, mas idosas na passarela ou um desfile
movido pela Orquestra Sinfônica de Heliópolis. Ao mesmo
tempo, milhares de jovens mostravam suas invenções no Campus
Party, a maior feira brasileira das tribos digitais.
No Campus Party, lançou-se, por exemplo, o projeto, idealizado
pela TV Cultura, de colocar nos computadores das LAN houses
um recurso para que os jovens, enquanto jogam, possam ter
acesso a ofertas de educação e cultura bancados por governos,
empresários -a ideia é disseminar por todo o país esse
mecanismo, envolvendo entidades como Sebrae, Sesc, Sesi,
além das secretarias e dos ministérios da Cultura, Educação e
Trabalho.

Nessa comemoração dos 455 anos, dá para dizer que, em meio
ao nosso caos, há cada vez mais efervescência e criatividade -e,
por isso, está ali naqueles projetos de energias criativas da rua
Augusta, onde até pouco tempo parecia não ter nenhuma
perspectiva, a síntese de um futuro de cidade.

PS - Para tentar captar esse clima, sugeri a um grupo de
fotógrafos que documentassem 24 horas daquele trecho da
Augusta. Coloquei uma seleção das fotos no
www.dimenstein.com.br.

Um comentário:

  1. Conheço Cláudio Prado há anos; é um visionário sempre em busca de novos territórios e é um dos caras mais criativos e sensíveis que conheço. Muito legal a coluna do Gilberto. Agradeço a dica! Obrigado André. Seu blog está ótimo!

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